Declara-se
você esgotado pelos conflitos internos da instituição espírita de que se fez
devotado servidor, e revela-se faminto de uma solução para os problemas que lhe
atormentam a antiga casa de fé.
Lutas entre
companheiros e hostilidades constantes minaram o altar do templo, onde, muitas
vezes, você observou a manifestação da Providência Divina, através de abnegados
mensageiros da luz, e hoje, ao invés da fraternidade e da confiança, do
entusiasmo e da alegria, imperam no santuário a discórdia e a dúvida, o
desânimo e a tristeza.
Pede-nos
você um esclarecimento, entretanto, a propósito do assunto, lembro-me de velha
e valorosa árvore que conheci em minha primeira infância. Verde e forte,
assemelhava-se a uma catedral na obra prodigiosa da Natureza. Cheia de ninhos,
era o palácio predileto das aves cantoras que, em suas frondes, trinavam
felizes. Tropeiros exaustos encontravam à sua sombra, que protegia cristalina
fonte, o reconforto e a paz, o repouso e o abrigo. Lenhadores, de quando em quando,
furtavam-lhe pedaços vivos e peregrinos ingratos roubavam-lhe ramos preciosos
para utilidades diversas. Tempestades terríveis caíam sobre ela, anualmente,
oprimindo-a e dilacerando-a, mas parecia refazer-se, sempre mais bela. Coriscos
alcançaram-na em muitas ocasiões, mas a árvore robusta ressurgia, sublime.
Ventanias furiosas, periodicamente, inclinavam-lhe a copa, decepando-lhe galhos
vigorosos; a canícula demorada impunha-lhe pavorosa sede e a enxurrada
costumava rodeá-la de pesados detritos... O tronco, porém, sempre adornado de
milhares e milhares de folhas seivosas, parecia inabalável e invencível .
Um dia,
contudo, alguns bichinhos começaram a penetrá-la de modo imperceptível.
Ninguém
lhes conferiria qualquer significação.
Microscópicos,
incolores, quase intangíveis, que mal poderiam trazer ao gigante do solo?
Viajores e
servos do campo não lhes identificaram a presença.
Mas os
bichinhos multiplicaram-se, indefinidamente, invadiram as raízes e ganharam o
coração da árvore vigorosa, devorando-o, pouco a pouco...
E o vegetal
que superara as ameaças do céu e as tentações da Terra, em reduzido tempo,
triste e emurchecido, transformava-se em lenho seco, destinado ao fogo.
Assim
também, meu caro, são muitas das associações respeitáveis, quando não se acautelam
contra os perigos, aparentemente sem importância. São admiráveis na caridade e
na resistência aos golpes do exterior. Suportam, com heroísmo e serenidade,
estranhas provações e contundentes pedradas. Afrontam a calúnia e a maldade, a
perseguição e o menosprezo público, dentro de inalterável paciência e
indefinível força moral...
Visitadas,
entretanto, pelos vermes invisíveis da inveja ou do ciúme, da incompreensão ou
da suspeita, depressa se perturbam e se desmantelam, incapazes de reconhecer
que os melindres pessoais são parasitos destruidores das melhores organizações
do espírito.
Quando o
«disse-me-disse» invade uma instituição, o demônio da intriga se incumbe de
toldar a água viva do entendimento e da harmonia, aniquilando todas as sementes
divinas do trabalho digno e do aperfeiçoamento espiritual.
Que fazer?
–– pergunta você, assombrado.
Dentro de
minha nova condição, apenas conheço um remédio: nossa adaptação individual e
coletiva à prática real do Evangelho do Cristo.
Contra os
corrosivos bichinhos do egoísmo degradante, usemos os antissépticos da Boa
Nova.
–– «Se
alguém quiser alcançar comigo a luz divina da ressurreição –– disse o Senhor
––, negue a si mesmo, tome a cruz dos próprios deveres, cada dia, e siga os
meus passos.»
Quando
pudermos realizar essa caminhada, com esquecimento de nossas carunchosas
suscetibilidades, estaremos fora do alcance dos sinistros micróbios da treva,
imunizados e tranqüilos em nosso próprio coração.
* * *
(Do livro Cartas
e Crônicas, psicografado por F. C. Xavier. 1ª ed., Rio de Janeiro, FEB,
1966. Cap. 29, pp. 101-103.)